Com 12 anos, Seabra certa vez escutava sua irmã contando sobre seus anseios empreendedores. Ela descrevia que, depois de casada, abriria uma clínica estética em sua casa para atender suas clientes. Naquele exato momento, Seabra teve um pensamento que foi quase como uma premonição: “Eu vou fazer os cremes que elas vão usar em casa.”
Seabra, nascido em 1942, em São Paulo, começou a trabalhar aos 15 anos como calculista de custo indireto na Gráfica Siqueira, empresa em que o pai era almoxarife. Mas lá ficou apenas 1 ano, quando recebeu uma proposta para trabalhar como aprendiz no Departamento pessoal da empresa americana Remington. Aos 18 anos ele já era chefe do Departamento Pessoal e aos 21 era Superintendente da Divisão de Barbeadores Elétricos.
Desde aquela época ele já se interessava em estudar fisiologia cutânea e Bioquímica epidérmica. O trabalho estava indo bem, até que, por algumas mudanças na empresa, recebeu a proposta de voltar a atuar no Departamento Pessoal. Como recusou a oferta, recebeu a contraproposta de gerenciar um laboratório de cosméticos, no qual ele aceitou de pronto.
“A criação da Natura correspondeu enormemente a essa questão, de procurar entender que projeto a vida tinha pra mim.“
Em seus pensamentos, Seabra ainda relacionava a área cosmética a algo puramente feminino e que seria fácil de dirigir. Foi com o contato direto com as matérias primas e as fórmulas que Seabra foi arrebatado definitivamente. Em meio aos acontecimentos, formou-se em Economia, apesar de afirmar sentir-se mais atraído pela Psicologia. Seabra trabalhou no laboratório de 1966 a 1969, até que recebeu a proposta de se tornar sócio do laboratório. Como ele queria fazer parte de algo desde do início ele então fez uma contraproposta ao seu sócio, Jean Pierre Berjeaout, de começarem juntos uma outra indústria.
Aos 27 anos, Seabra então fundou a Indústria e Comércio de Cosméticos Berjeaout Ltda, mas em poucos meses o nome foi modificado para Natura. No início, Seabra, responsável pela ampliação das atividades da recém-fundada indústria, detinha 20% de representação, até que, uma mudança familiar por parte do seu sócio fez com que a empresa perdesse seu único cliente. O mesmo acabou fazendo uma oferta a Seabra: que ele se juntasse a um novo negócio que ele tinha em mente. Por mais que parecesse irrecusável e com uma grande remuneração, Seabra declinou. “Eu disse a ele que eu tinha que lutar pela minha indústria e pela minha sociedade.”
“Sem paixão, o lucro não vem ou, no mínimo, vai demorar mais para vir.”
Com 80% da empresa nas mãos do outro sócio e quase falida, Seabra vendeu o único bem: um fusca Volkswagen 1967 e conseguiu adquirir 30% da companhia que faltava para igualar a sociedade. Sem clientes e quase sem capital, Seabra visitou um famoso leitor de mãos chamado Sana Khan em busca de respostas para aquela situação e foi quando ouviu do professor as seguintes palavras: “Eu vejo um trator, que vai se mover muito lentamente no início, mas vai gerar uma força que nada conseguirá deter. Vai alimentar legiões, material e espiritualmente. Semear é o seu destino.”
Tentaram oferecer os produtos em drogarias e outras lojas mas ninguém se interessou em comprar aqueles produtos. Foi quando decidiram abrir uma pequena loja na Oscar Freire, em São Paulo. Ao fazer um estudo amplo sobre tudo que havia de linguagem na indústria da beleza, Seabra consolidou o que seria a marca diferencial da Natura, garantindo a não venda da ilusão, como a maioria das marcas fazia.
Seabra foi o primeiro vendedor da Natura, prestando consultoria de beleza as clientes e construindo um modo diferenciado de fazê-lo. A relação de confiança criada entre Seabra e as clientes fez com que eles abandonassem a ideia de franquear o negócio e multiplicasse consultoras, adotando o modelo de venda direta em 1974. Foi nessa época que Seabra veio a conhecer seus dois futuros sócios Pedro Passos e Guilherme Leal, quando várias empresas se formaram para trabalhar como distribuidores dos produtos.
A empresa de Seabra se projetou no país dando foco nas relações humanas, aceitação da própria beleza e na sustentabilidade, já que seus cosméticos priorizam em sua composição os ativos vegetais. Boa parte dessa matéria-prima é extraída na zona rural de Abaetetuba, no nordeste do Pará, onde centenas de famílias de fruticultores são fornecedoras da companhia desde 2006, através de uma cooperativa parceira. Eles têm uma usina própria de beneficiamento de óleos e manteigas, resultado de um investimento feito pela Natura em 2008, projetando uma produção diária de 300 quilos.
Além de ter ajudado a desenvolver o Marco Regulatório de Biodiversidade do Brasil, a Natura já movimentou 1,1 bilhão de reais na região amazônica e foi eleita pela Guia Exame de Sustentabilidade em 2017 como A Empresa Sustentável do Ano.
A Natura se tornou Grupo Natura a partir da aquisição das empresas Aesop e The Body Shop. Aumentando seu campo de atuação de 20 para 70 países. Recentemente, em maio de 2019, o Grupo Natura anunciou a compra da concorrente Avon, transformando-se na Natura Holding 4ª maior grupo no segmento de beleza do mundo, chegando a um valor de mercado de US$ 11 bilhões. A perspectiva é que se chegue a um faturamento bruto anual superior a US$ 10 bilhões, além de aumentar sua presença para 100 países, mantendo mais de 40 mil colaboradores pelo mundo. A fusão cria um grupo com 6,3 milhões de representantes e consultoras que conta com 3,2 mil lojas.
Já seu fundador, Seabra, aos 76 anos, detém um patrimônio estimado em US$ 1,04 bilhão (R$ 4,12 bilhões) e já foi listado na lista de bilionários da Revista Forbes. Atualmente reside em Londres.
Quando vemos o sucesso da Natura, não imaginamos que existe essa história inspiradora no começo de tudo.